Um dos fundadores do histórico club Kraft, um dos mais conceituados da cena underground da história da eletrônica brasileira, Lukas Freire é o nome por trás do projeto DJ Lukas. Precursor do Hard Techno no Brasil e com sua sócia e esposa, Fernanda Martins, administram juntos 3 importantes selos do gênero: Devotion, Hardwork e Audiocode.
Lukas já tocou em muitas cidades de todo o Brasil e em países como Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Luxemburgo, Espanha, Eslovênia, Eslováquia e Inglaterra. A sua próxima passagem pelo país é na próxima edição do Ame Laroc Festival, no domingo, dia 11, onde divide o line up com outros artistas do estilo, dos quais ajudou a selecionar com a equipe artística do festival, comprovando sua experiência na curadoria do hard techno.
Conversamos com o Lukas sobre o cenário do hard techno mundial, carreira e sobre a curadoria do Ame Club no domingo de carnaval, que conta com as presenças de Acid Asian, Anxhela, Caravel, Fernanda Martins, Lilly Palmer, Matheus Rocha, Regis Lopez, Unpurged, além do próprio produtor:
Para começar, o Hard Techno hoje é uma das vertentes que mais está em alta na Europa. Como é que você analisa esse crescimento exponencial do Hard Techno novamente? Como é que ele se aprofundou na Europa nestes últimos tempos?
O Hard é uma variante do techno que surgiu há muito tempo com a seleção de DJs que tinham tracks mais pesadas dentro do gênero e que tocavam isso no mesmo set. E o estilo foi ganhando espaço devagarinho, teve um boom muito grande uns 10,15 anos atrás. Nessa indústria tudo é cíclico, então ele teve uma baixa, veio a pandemia, parou tudo e quando a cena voltou da pandemia, senti que o estilo começou a ganhar força devagar e de repente explodiu de novo no mundo todo. Acho que isso aconteceu porque o público atual é uma geração nova de clubbers com muita energia, mas que acessaram a música eletrônica com estilos um pouco mais lentos, com mais melodias e que agora querem algo com mais potência, BPMs mais altos e aí descobriram o Hard Techno. Em consequência disso, apareceu um monte de artista, a cena se nutriu em todos os quesitos para que ela seja saudável, com um novo público, novos produtores, novos DJs e isso profissionalizou muito o hard. Então hoje em dia temos muitos artistas com managers, um trabalho audiovisual em redes sociais super profissional, que estruturou tudo de forma rápida, foi um fenômeno, eu nunca imaginei na verdade que o Hard Techno ia chegar nas proporções que está agora e ainda não deu sinal de frear, só está crescendo, então eu estou até bem curioso onde é que vai estar o teto disso tudo.
Vamos falar um pouco da sua mudança do Brasil para a Espanha. Como é que foi essa mudança? Foi algo planejado? Como é que funciona a sua rotina lá?
Eu mudei pra Espanha já há muito tempo, né? Eu estou lá fora já faz 17 anos e foi um pouco uma série de coincidências que aconteceram. Eu já ia para a Europa fazer turnês desde 2004 e cada vez fui ficando mais tempo. Nessas turnês eu notava que havia uma possibilidade de um mercado de trabalho muito forte, principalmente pelo estilo que eu já tocava por lá e estava querendo aproveitar isso. Aqui eu era um dos sócios do Kraft, um dos maiores clubs underground do Brasil e a gente teve que fechar o club no local onde estávamos, porque acabou o contrato de aluguel e tínhamos que mudar de endereço. Essa situação estava incerta, então eu não tinha mais nada que me prendesse no Brasil. Na minha última turnê, antes de me mudar, descobri umas escolas de engenharia de áudio, que era um curso que não existia no nosso país, então tomei a decisão de fazer as malas e de me jogar. Não foi uma aventura, porque já estava dentro desse mercado e coincidiu com esse boom do hard techno por lá e cheguei na Espanha com um mercado muito aquecido, com muitas portas se abrindo. Quanto a minha rotina lá é colocar todo meu tempo integralmente na música. Eu e a Fernanda Martins, minha sócia e esposa, passamos horas administrando os nossos selos, ouvindo demos, conversando com artistas, também por eu ter conhecimento técnico ajudo muitos artistas a melhorarem a qualidade de suas faixas e acabamos ajudando a cena como um todo, então é eu sempre tomar meu café da manhã, ir para o estúdio e passar integralmente meu tempo nele, dia a dia, seja produzindo, com a engenharia de mix e master, trabalhando com outros clientes, mas é uma vida dedicada à música.
Vamos falar sobre os seus selos. Você administra quantos selos hoje e como funciona a gestão deles?
Temos 3 selos ultimamente. O "Devotion Records" que é de Techno, um pouco metal, um pouco raw, com um toque de techno antigo. Mesmo com a liberdade na curadoria do selo, tentamos manter um techno com uma pegada mais forte e com uma conexão com as raízes do estilo. Também temos o "Audiocode", que é nosso selo mais forte e mais antigo, de hard techno, onde os principais artistas do gênero já passaram por ele e para finalizar temos o "Hardwork Records", que é um selo que eu reativei. Foi o meu primeiro selo, em 2008, era um selo exclusivo de vinil e quando o vinil deu uma quebrada, paramos de lançar por ele, mas sentimos a necessidade de voltar com ele novamente, porque estávamos recebendo muitas demos que não se encaixavam no "Audiocode" e então por falta de um novo selo, decidimos reativá-lo para estes lançamentos. Ele chega a ser um selo de hard techno mais aberto, assim conseguimos colocar ali coisas que gostamos e que se encaixam nesse estilo.
Agora, você foi convidado para fazer parte da curadoria desse palco de hard techno no domingo do Ame Laroc Festival. Como você ajudou a criar este line up e qual foi seu critério de seleção artística? Você já tinha almejado alguns artistas?
É um pouco difícil montar um line up assim, né? Tem muitas coisas que você precisa considerar. Em relação aos gringos foi um pouco de uma pesquisa de mercado aqui, com o pessoal que eu sempre mantive um contato muito próximo do Brasil e que nunca me desconectei totalmente. Conversei com promotores de festas, com o público, com outros artistas sobre quais são os nomes que aqui no Brasil são conhecidos e que o pessoal reconhece como um bom trabalho, que não é só fama. Fiz uma lista, aí fomos atrás desses nomes. Tem muito artista que tem disponibilidade, tem muito artista que não. Então fomos polindo, quem não tinha disponibilidade de data, a gente já foi eliminando. Aí a ideia foi trazer uns nomes mais atuais, essa geração mais fresca, mais atual, mas que a gente notou que tinha uma preocupação de fazer um bom trabalho, uma boa presença de palco, mas se preocupar muito com mixagem, com repertório, uma conexão forte com o público. As duas mulheres que vem de fora, uma sou muito fã e outra a Fernanda é muito fã, então também foi uma coincidência chegarmos em dois nomes que gostamos muito. Já quanto aos artistas do Brasil tentamos prestigiar o pessoal que vem fazendo um ótimo trabalho e que está na batalha por este gênero, mantendo-o vivo, com um trabalho de forma árdua. Acho que isso precisa ser reconhecido. Quando eu vim para o Brasil pela última vez, que eu toquei em julho de 2023 estive observando isso, conversando com as pessoas, não comentei nada desse festival porque eu queria realmente fazer uma sondagem, conversei com o público daqui, como eles viam esses artistas que eu tinha analisado e no fim das contas colocamos alguns dos nomes que estão batalhando para manter o gênero vivo e forte dentro do cenário brasileiro.
E o B2B de você com a Fernanda neste line up? O que podemos esperar de surpresas?
Cara, a gente se diverte horrores com esse b2b. É bem diferente do nosso set sozinho. A Fernanda é muito arteira, então a gente ri muito, sabe? Olhamos um para o outro e ela às vezes faz algo que ela sabe que eu não gosto, só para me cutucar. A nossa linha de som muda um pouco, então nos adaptamos e fazemos algo muito divertido para os dois e que funciona muito bem para o público. A última vez que fizemos um b2b foi em Portugal e foi incrível, foi uma baita noite e nos encaixamos super bem. No fim das contas é isso, a gente tem que se sentir bem para que tudo funcione da melhor forma!