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House Music: como surgiu um dos movimentos artísticos mais importantes da atualidade?

Otávio Apovian
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A House Music é um gênero influente de música eletrônica que se tornou um fenômeno global e um estilo de vida. Mantendo as pessoas dançando por décadas, gerando subculturas, influenciando a tecnologia, House une as pessoas e se dá como uma perfeita tela para que novos sons possam surgir sob sua influência.

Originada a partir da Disco Music, o que hoje chamamos de House, evoluiu para muitos gêneros e subgêneros de música eletrônica, influenciando até a música pop, o hip-hop e outros estilos atuais. Hoje, vamos contar um pouco mais sobre como esse som inicialmente underground surgiu e como se tornou reconhecido globalmente como a trilha sonora e base da Dance Music global.

Pré-House

Para que se possa falar sobre House Music, é necessário entender, ao menos, como a Disco Music ganhou força e conhecer sua queda - ou tentativa de a derrubar. 

Como movimento underground, a Disco Music surgiu nas periferias da sociedade de Nova York nos anos 70. Fruto da cultura LGBTQ, afro-americana e latina, o som foi cultivado em clubs underground - à época, literalmente abaixo do solo - que serviam como refúgios seguros livres de qualquer tipo de discriminação, e assim um local seguro onde as pessoas pudessem se expressar como sentissem. Clubs lendários como o "Paradise Garage" em Nova York e o "Warehouse" em Chicago prepararam o terreno para a cultura moderna de clubes e elevaram o status do DJ para uma verdadeira estrela.

Como todo movimento periférico, o preconceito que cercava a Disco veio quase que de imediato como o movimento "anti-Disco", e suas consequências foram históricas, dando origem diretamente à House Music.

Disco Demolition Night

A manifestação anti-Disco foi liderada por Steve Dahl, um locutor conservador e racista que havia sido demitido de uma estação de rádio de Chicago quando ela passou a adotar exclusivamente a Disco Music. Dahl expressou sua frustração no ar em seu novo emprego em uma estação de rock, promovendo manifestações de "Death to Disco", onde destruía vinis de Disco Music.

Aproveitando de sua influência nas rádios, Dahl organizou o evento "Disco Demolition Night", no qual convidou os torcedores do White Sox e Detroit Tigers a levarem seus LPs de Disco Music ao estádio Comiskey Park de Chicago, para que fossem queimados após a partida atraindo uma multidão de quase 60 mil pessoas. Após o jogo, Dahl dirigiu-se ao campo com um carro, vestindo um uniforme militar, liderando a multidão em um coro de "disco sucks!" No centro do campo havia uma grande coleção de discos carregados de dinamite que foi detonada, espalhando discos pelo ar e deixando para trás uma cratera no campo. O caos se instaurou quando milhares de fãs invadiram o espaço, atearam fogo aos discos e vandalizaram o estádio. Muitos dizem até hoje que muitos dos vinis não se tratavam sequer de Disco Music, e sim de Soul, Funk e outros estilos ligados às comunidades oprimidas, uma clara situação de intolerância.

A popularidade da Disco Music diminuiu substancialmente após a "Noite da Demolição da Disco". O evento também desencadeou um sentimento nacional contra a Disco Music, um reflexo claro do racismo e homofobia intrincados na sociedade, tendo em vista as origens do estilo musical e sua cultura. Como resultado, as vendas de discos caíram, e o número de músicas de Disco no Top 10 da Billboard foi de seis para zero em mais de oito semanas. As gravadoras nos EUA tiveram que procurar em outros lugares, e os DJs foram forçados a explorar novas abordagens de mixagem para criar Dance Music.

Seu auge aparentemente imparável foi rapidamente reduzido a história, e a Disco Music que estava no topo das paradas começou a sumir. A solução foi levar a Disco Music ainda mais para o underground, blindando-se de qualquer ameaça externa que pudesse comprometer seu progresso. 

Moldando para sempre a cena da Dance Music, nomes como Frankie Knuckles, Larry Levan, DJ Ron Hardy criaram novas técnicas de mixagem, desenvolvendo identidades sonoras únicas e incomparáveis, nunca tendo sido vistas até então. Fundindo os papéis de "tocador de músicas" com "produtor musical" e "performer", os artistas passaram a comprar dois discos da mesma faixa, abrindo a possibilidade de re-editá-las, cortá-las, evidenciar as partes mais altas do som, e por aí as novas técnicas foram se formando. Utilizando clássicos da Disco Music, Funk, Soul e Pop, Frankie Knuckles, o Padrinho da House Music, remixava tracks usando uma máquina de fita reel-to-reel, cortando trechos, adicionando percussões, remanejando as seções e construindo tensão de forma inovadora. Desta maneira e escrevendo história, os sons de Knuckles, o então residente do club The Warehouse, eram a trilha sonora do dia e da noite dos subúrbios de Chicago. Lojas de discos frequentemente marcavam as capas dos vinis das tracks que bombavam nos clubs com o selo "Played At The Warehouse" (tocada no The Warehouse), e no boca a boca acabaram sendo referidas apenas como House Music.


Conforme a tecnologia avançava, o som da House Music avançava junto. Incorporando sintetizadores, samplers e drum machines como os icônicos TR-909 e TR-808, os artistas elevaram o patamar de suas produções, criando loops hipnotizantes, basslines mais poderosos e camadas de percussão que geram mais profundidade. Aliados às novas técnicas de mixagem, os produtores musicais passaram a consistir nas tracks em 4/4, ou seja, uma batida a cada quarto de tempo e isso imediatamente conquistou as pistas de dança.

Chicago

É impossível falar de House Music e não falar de Chicago, sua cidade natal. No começo dos anos 80 a cidade industrial vivia uma crescente cena de Dance Music underground, o que naturalmente fomentava o trabalho dos DJs e produtores musicais, que sempre buscavam formas de inovar em suas apresentações, cativando mais público. Com os avanços tecnológicos, cada vez mais DJs passaram a lançar seus trabalhos autorais. No meio da década de 80 já haviam alguns sub-gêneros de House Music ecoando pelas ruas, como o Deep House e Acid House,influenciados pelas mais diferentes fontes artísticas e logo as gravadoras perceberam seu valor. O selo Trax Records foi responsável por alguns dos maiores e mais relevantes lançamentos da música mundial, que até hoje influenciam as novas produções como "Move Your Body" de Marshall Jefferson, "Acid Tracks" de Phuture, "Your Love" de Frankie Knuckles, "Can You Feel It" de Larry Heard entre muitas outras.


A explosão da house music rapidamente se espalhou pelo mundo na década de 90. Diferentes regiões desenvolveram novas cenas musicais e subculturas, com cada vez mais subgêneros de House Music. Além disso, houve um aumento muito significativo de gravadoras independentes lançando exclusivamente Dance Music a partir deste momento. 

Alcançando o patamar de mainstream, a House Music passou a ser integrada nos catálogos de alguns dos maiores nomes da música global, como Madonna, Björk, Janet Jackson, CeCe Peniston, Robin S e a lista segue infinitamente.


A House Music não parece ir embora tão cedo. Este estilo tão rico e receptivo, que não cessa de se desenvolver com as mais variadas fontes, vem nutrindo há décadas o cenário global da música e trazendo alegria, união e liberdade para as pessoas, tornando sua influência quase que essencial para os dias modernos e uma fonte incessante de criatividade.

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Otávio Apovian

Otávio Apovian

Graduado em Publicidade (ESPM-SP); DJ e produtor musical no projeto Apollorabbit. Onde encontrar: nas pistas mais obscuras e com sons cabeçudos

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