Entrevista

Por quê Austrália? DJ e produtor brasileiro Caike comenta motivos da mudança

Otávio Apovian
We Go Out

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A motivação que fez Caike mudar para a Austrália costuma ser um sentimento muito comum e genuíno em boa parte das pessoas na primeira etapa da vida adulta. Conhecer uma cultura nova, se aventurar, praticar a solitude, desprender-se da zona de conforto, aprender e ter experiências diferenciadas — para um artista, é a chance de tentar levar seu trabalho ainda mais longe e realizar um intercâmbio cultural entre seu país de origem e sua nova morada. 

Há pouco mais de dois anos vivendo pelas bandas da Oceania, o jovem DJ e produtor musical Caike partiu em busca desse mix de desejos, mas, como bom gaúcho, sempre está olhando e honrando suas raízes.

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Uma publicação compartilhada por Caike (caikesbn)

Desde 2015, Caike vem montando as peças desse quebra-cabeça que chamamos de carreira profissional e, de lá pra cá, alguns acontecimentos marcantes chancelaram o sentimento de se estar no caminho certo.

Com algumas faixas figurando posições em charts do Beatport assinadas por selos como TheWav Records, WeLove Recordings, Fluxo e Levels Rec e passagens em festas gringas como WeLove, Missing Piece Festival e Lucky Presents Boat Party, Caike se prepara agora para uma retomada de eventos consciente e novos voos na carreira. 

Conversamos com Caike para saber mais sobre sua história do outro lado do mundo, suas impressões sobre cada nicho e também, planos futuros. Confira!

WGO: Oi, Caike! Tudo bem? Bom, para falar já de cara sobre a pergunta dessa matéria, afinal, por que Austrália? Existe alguma relação com a música eletrônica ou fatores externos que te fizeram mudar para esse lugar?

Caike: Olá, é um prazer conversar com vocês. Vamos lá… minha decisão foi inteiramente por fatores externos à música eletrônica. Essa mudança ocorreu pois sempre tive o sonho de conhecer um novo país, de poder conviver em uma cultura diferente da minha e aprimorar minhas habilidades de comunicação com uma nova língua. 

Dessa forma, após o término da minha faculdade de engenharia mecânica (2018), eu decidi encarar esse desafio e realizar o meu sonho de viver fora do Brasil (2019). Optei pela Austrália devido a diversos fatores: clima semelhante ao brasileiro, praias paradisíacas, sou fã da natureza (e a Austrália é linda neste aspecto), e por ter como trabalhar e estudar ao mesmo tempo, etc. 

O que você já sabe sobre a cena de música eletrônica australiana que poderia compartilhar com a gente? Algo que tenha te chamado atenção? 

Se pensarmos em música eletrônica por aqui, Melbourne, cidade à qual ainda não tive oportunidade de conhecer até o momento, é reconhecida por abrigar diversos eventos importantes e de grande expressão na cena. Além disso, o governo oferece grande suporte para que a cidade siga sendo um ponto atrativo para artistas e labels ao redor do mundo.

Falando de Sydney, cidade onde resido, eu percebo a cena brasileira ainda à frente da cena australiana, visto que no Brasil há diversos clubs de reconhecimento mundial e festas de grande porte como Time Warp, DGTL e Dekmantel, por exemplo, ainda são mais frequentes do que na Austrália. No entanto, a cena local é forte e bem movimentada, onde é possível encontrar festas/festivais de todos os estilos e gostos (o que acho super legal). Além disso, a cidade abriga eventos do Circoloco, Space Ibiza e Pure, do famoso Carl Cox.

Alguns destaques da Austrália que posso citar aqui são: SASH (label), Days Like This Festival, Rainbow Serpent Festival, WeLove (label), Eletric Gardens Festival, Return to Rio.  

Você já conseguiu furar a bolha e chegar até os gringos com suas músicas, mas e no quesito DJ, você sente que há uma abertura em Sydney para artistas brasileiros? Sei que você já teve algumas gigs, mas a pandemia tem atrapalhado...

Sim, a pandemia não tem ajudado a população como um todo, infelizmente! Mas o segredo é se manter forte e preparado para o retorno de tudo isso! 

Em relação a gigs, eu percebo sim um espaço para que artistas brasileiros consigam trabalhar e compartilhar sua arte pelos eventos da cidade. Apesar de ainda notar alguns núcleos mais fechados para artistas de fora, eu acredito que todo DJ que leve a profissão a sério e respeitando os colegas, consegue desenvolver um trabalho bacana por aqui.    

Não é incomum ver artistas nacionais indo para outros países, quando isso é financeiramente viável ou por outros tipos de trabalhos também, mas com foco na carreira artística. A Europa não nos deixa mentir, por que você acha que isso acontece? Quais são suas percepções do mercado brasileiro hoje?

Acredito que isso aconteça por diversos fatores, não apenas um em específico. Para mim, a mudança de ambiente, de cena, de grupos e de experiências, fez com que eu enxergasse de forma clara onde eu estava e onde eu gostaria de chegar. Às vezes, vivemos presos e insistimos em coisas que não funcionam em determinado nicho e esperamos que isso vá dar certo algum dia, sendo que não é assim que as coisas funcionam. Existe muito trabalho e dedicação para que as coisas aconteçam de verdade. Sair da sua zona de conforto pode ser uma bela oportunidade para enxergar as coisas que talvez você não esteja enxergando agora.

Na minha opinião, o mercado brasileiro é forte, muito concorrido, mas ainda com muito espaço para novos artistas brilharem.

Como você consegue analisar por outro prisma, o que você acha que temos de pontos positivos e negativos em relação ao tema: música eletrônica como carreira profissional no Brasil?

Pergunta complicada, mas vou tentar passar um pouco do que acho:

Pontos positivos: Atualmente, vejo que há sim espaço para trabalhar, visto que o Brasil é um país vasto e com diversos núcleos de música eletrônica para se inserir. Ao longo dos anos, o cenário da música eletrônica no Brasil evoluiu muito, fazendo com que a profissão também ganhasse certa valorização. Com a chegada da pandemia, houve um aumento significativo de cursos, mentorias e conteúdos relacionados a música eletrônica, o que ajuda muito quem está começando e quer trilhar uma carreira como DJ/produtor no Brasil. Há diversos artistas ímpares na nossa cena, ou seja, assisti-los é sempre um aprendizado para sua própria evolução.

Pontos negativos: Quando estava no Brasil, sentia carência no aspecto "como trilhar uma carreira de forma séria e eficaz. Sentia falta de artistas que se dispusessem a comentar de forma aberta sobre isso, sobre onde fazer, como fazer e porque fazer. No entanto, com a chegada da pandemia, notei uma melhora considerável neste aspecto; infelizmente, ainda é possível encontrar muitas pessoas invejosas e com o ego elevado na cena brasileira (e isso não é só no Brasil, que fique claro). Acredito que todas as profissões relacionadas a música eletrônica merecem um reconhecimento maior pelo seu trabalho e esforço, pois música eletrônica também é cultura e, infelizmente, em algumas partes do Brasil ela não é compreendida desta forma, principalmente pelos nossos políticos. 

Falando em mercado, você explora muito bem as linhas progressivas e melódicas. Um som incrível, mas que viveu momentos de baixa no mundo, especialmente quando o mainstream renomeou o Progressive House. Será que podemos dizer que o Techno Melódico está trazendo luz para o Progressive House novamente? Qual sua impressão? 

Na minha opinião, sim! Tendo em vista que o progressive trilha um caminho semelhante ao do melodic techno e é um estilo que se expressa bastante através de frases longas, melódicas e viajantes, acho que é um segmento que vem ganhando força nesses últimos anos e, na minha visão, tende a crescer ainda mais em um futuro próximo. 

Você lançou recentemente pela Levels Rec, como é a sua relação com o coletivo? A gente vai poder curtir seu som nas pistas do Brasil também? 

Tenho um carinho muito grande pela Levels, pois quando morava no Brasil, costumava frequentar bastante suas edições. Essa aproximação que tive, através do lançamento da faixa Shining Bright, foi algo muito bacana e me fez perceber de perto que as pessoas por trás da marca são extremamente sérias e sabem realmente como valorizar o artista e sua obra. Isso foi algo que me chamou bastante a atenção e só aumentou a minha admiração pelo trabalho da Levels. 

Estou ansioso para visitar o Brasil e para poder compartilhar meu trabalho perto das pessoas que gosto e amo. O calor das pistas brasileiras é algo incomparável. Espero que tudo isso aconteça em breve! 

E quais são os planos para o futuro? Alguma novidade? 

Assim que houver uma retomada nos eventos por aqui, pretendo seguir meu trabalho de forma intensa, procurando ter ainda mais espaço no cenário local e trabalhando paralelamente em novos lançamentos. No momento, possuo cerca de 2 EPs finalizados!

Leia também: Saiba como foi o EXIT Festival, em Novi Sad, na Sérvia

Otávio Apovian

Otávio Apovian

Graduado em Publicidade (ESPM-SP); DJ e produtor musical no projeto Apollorabbit. Onde encontrar: nas pistas mais obscuras e com sons cabeçudos

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